Antes ela que esta hora sempre enevoada estas terríveis carr

Estas pedras sorvadas
Antes este coração engatilhado
Que este charco de murmúrios
Este pano branco a cantar ao mesmo tempo na terra e no ar
E esta bênção nupcial que une o meu rosto ao da total fatuidade
Antes a vida
Antes a vida com os seus lençóis de esconjuro
As suas cicatrizes de fugas
Antes a vida antes esta rosácea no meu túmulo
A vida da presença só da presença
Onde uma voz diz Estás aí e a outra responde Estás aí
Eu pobre de mim não estou
E mesmo quando jogarmos ao que fazemos morrer
Antes a vida
Antes a vida antes a vida Infância venerável
A faixa que parte dum faquir
Parece o escorregadouro do mundo
Não importa que o sol não passe de um destroço
Por pouco que o corpo da mulher se lhe compare
Pensas tu ao contemplar a extensão da trajetória
Ou tão-só ao fechar os olhos sobre a tormenta adorável que se chama a tua mão
Antes a vida
Antes a vida com as suas salas de espera
Mesmo sabendo não ir entrar nunca
Antes a vida que estas estâncias termais
Onde o serviço é feito por coleiras
Antes a vida adversa e longa
Quando aqui os livros se fecharem sobre estantes menos suaves
E lá longe fizer mais que melhor fizer livre sim
Antes a vida
Antes a vida como fundo de desdém
A esta cabeça já de si tão bela
Como antídoto da perfeição aspirada e temida
A vida a maquilagem de Deus
A vida como um passaporte virgem
Ou uma vilória como Port-à-Mousson
E como tudo foi dito já
Antes a vida
André Breton
Foto: Um dia para lembrar. Santo Antônio de Lisboa. Florianópolis.
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