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24 julho, 2023

Nalgum lugar

Roseira do pátio de casa. 2022.

nalgum lugar em que eu nunca estive, 
alegremente além
de qualquer experiência, 
teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil 
há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar 
porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar 
facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, 
nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala 
como a primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) 
a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado,
eu e minha vida nos fecharemos belamente,
de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respiras

(não sei dizer o que há em ti que fecha e abre;
só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos
é mais profunda que todas as rosas)

ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas...

(E.E. Cummings, traduzido por Augusto de Campos)


"Nalgum lugar" - musicado por Zeca Baleiro...

12 junho, 2015

Muito mais grave

Lagoa da Conceição. Foto by Claudia Félix.

Todas as parcelas de minha vida têm algo teu
e isso na verdade não é nada de extraordinário
tu o sabes tão objetivamente como eu

no entanto há algo que gostaria de esclarecer-te
quando digo todas as parcelas

não me refiro só a isto de agora
a isto de esperar-te e aleluia encontrar-te
e caramba de perder-te
e voltar a encontrar
e oxalá nada mais

não me refiro só a que de pronto digas
vou chorar
e eu com um discreto nó na garganta
bom, chora
e que um lindo aguaceiro invisível nos ampare
e quem sabe por isto saia em seguida o sol

nem me refiro só a que dia após dia
aumente o estoque das nossas pequenas
e decisivas cumplicidades
ou que eu possa     ou crer que posso
converter os meus reveses em vitórias
ou me faças o terno presente
do teu mais recente desespero

não
a coisa é muitíssimo mais grave

quando digo todas as parcelas
quero dizer que além desse doce cataclisma
também estás a reescrevendo minha infância
essa idade em que dizemos coisas adultas e solenes
e os solenes adultos as celebram
e tu ao contrário sabes que isso não serve
quero dizer que estás rearmando minha adolescência
esse tempo em que fui um velho carregado de receios
e tu sabes em troca extrair desse deserto
o meu gérmen de alegria         e presenteá-lo olhando-o

quero dizer que estás sacudindo minha juventude
esse cântaro que ninguém nunca pegou em suas mãos
essa sombra que ninguém aproximou da sua sombra
e tu em troca sabes estremecê-la
até que comecem a cair as folhas secas
e fique a armação da minha verdade sem proezas

quero dizer que estás abraçando minha maturidade
esta mistura de estupor e experiência
este estranho confim de angústia e neve
esta vela que ilumina a morte
este precipício da pobre vida

como vês é mais grave
muitíssimo mais grave
porque com estas ou com outras palavras
quero dizer que não és tão só
a querida menina que és
mas também as esplêndidas
ou cautelosas mulheres
que quis ou quero

Porque graças a ti tenho descoberto
(dirás já era hora             e com razão)
que o amor é uma baía linda e generosa
que se ilumina e se escurece
segundo venha a vida

uma baía onde os barcos
chegam e se vão

chegam com os pássaros e augúrios
e se vão com sirenes e nuvens carregadas
uma baía linda e generosa
onde os barcos chegam
            e se vão
Mas tu
por favor
               não te vás.



Mario Benedetti

02 maio, 2015

Momento


O mundo que se inunda claro em vultos roxos
No caos profundo em que a tristura
Tange mansinho os ventos aos mulambos.

A gente escapa da vontade.
Se sente prazeres futuros,
Chegar em casa,
Reconhecer-se em naturezas-mortas...

Ôh, que pra lá da serra caxingam os dinossauros!

Em breve a noite abrirá os corpos,
As embaúbas vão se refazer...

A gente escapa da vontade.
Os seres mancham apenas a luz dos olhares,
Se sobrevoam feito músicas escuras.

E a vida, como viola desonesta,
Viola a morte do ardor, e se dedilha...
Fraca.


Mário de Andrade (1926)

Foto: A caminho do sul. Abril 2015

24 agosto, 2014

apenas


tanto tempo passou
aqui estamos
esquecidos
de coração que bate lento
de olhar perdido
um sentimento arde
nesta tarde fria
um silêncio sussurra
um cão late lá fora
uma vontade de ser
abraçada
apenas


Claudia Félix

24 julho, 2014

Amor que serena, termina?


Amor que serena, termina?
começa? que nova
velhice o espera para viver?
qual fulgor? amor surgindo

de si mesmo a si mesmo sendo
também memória de si
comendo
de si, que velha

sombra chupará sua nuca? Oh pestes
que visitaram meu país
atacaram se foram
alheias como o vento



Julian Gelman


18 julho, 2014

Nostalgia

De que se nutre a nostalgia?24db990395cfe35df4be950b838f140f Beautiful GIF Animations by Oamul Lu.
Alguém evoca doçuras
céus atormentados
escândalos sem ruído
paciências estiradas
árvores ao vento
opróbios prescindíveis
belezas de mercado
cânticos e alvoroços
garoas como penas
escopetas de sonho
perdões bem ganhados
mas com esses mínimos
não se arma a nostalgia
são meros simulacros
a válida a única
nostalgia é de tua pele



Mario Benedetti


...


Tradução livre por Claudia Félix


21 junho, 2014

trago uma flor


trago uma flor
do pátio da casa
que já foi tua
trago um silêncio
um aperto no peito
uma lágrima perdida
trago tua lembrança
para sempre
em minha vida




Claudia Félix

...

para meu irmão, que faria 50 anos.

24 maio, 2014

Do amor maior do mundo


os filhos nunca crescem
no coração da gente
criam em nossas vidas
um recanto para sempre encantado
com cheiro de talco, riso de neném
barulho de correria no pátio
abraço apertado de braço pequenino
olhos iluminados, nariz vermelho
sopinha de batata, chá com mel e limão
um lugar único
de alegria sem fim
e quando eles voam
seguros e lindos
construindo seus sonhos
pessoas maravilhosas
neste mundo difícil
criam um novo lugar
no coração da gente
um lugar onde sorri uma mãe
realizada


Claudia Félix

...

Hoje é dia de celebrar tua vida, minha filha!!! Mulher incrível, mãe leoa e amorosa, esposa apaixonada, neta carinhosa, sobrinha estimada, prima divertida, amiga fiel, nora adorável, patroa querida, e a melhor filha do mundo!!! A cada dia te desejo, meu amor maior do mundo, toda felicidade, toda alegria, toda sorte, toda proteção, todo amor e tudo que há de mais belo!!! Amor, mammy. 

18 maio, 2014

ausência





e a tardinha cai
suave
e no alto uma pandorga
avisa do vento
ao pescador atento
a vida segue
e fica apenas
esta saudade
esta ausência
no mundo
que a brisa
leva




Claudia Félix





hoje fui na praia deixar o vento me abraçar neste dia de memória e lamento: dia do aniversário de meu pai, que se foi, e fica sempre este algo estranho no peito, nestes dias que já foram de comemorar... 

15 maio, 2014

Algum dia direi:




Algum dia direi:
"Antes lhes cantava os altos e baixos do coração,
mas acabaram por aborrecer-me.
Agora prefiro observar como crescem os cogumelos".

E meu caderno me olhará boquiaberto,
sem saber o que fazer, se rir ou chorar.




© Miren Agur Meabe


Algún día diré:
"Antes les cantaba a los altibajos del corazón,
pero acabaron por aburrirme.
Ahora prefiero observar cómo crecen los hongos".

Y mi cuaderno me mirará boquiabierto,
sin saber qué hacer, si reír o llorar.



  

14 maio, 2014

Eu te assei um bolo



Eu te assei um bolo,
te fiz café (ou chá),
te trouxe o açúcar de manhã,
te desenhei o mês de novembro nas coxas,
te expliquei um símbolo,
te cantei Elliott Smith e batuquei,
te fumei as horas
e elas nos passaram para trás
do armário em que não guardei as camisas dobradas; tenho a preguiça do gato.
Eu te fiz almoço
(salmão grelhado + salada de tomates + alcaparras + arroz branco + batatas cozidas),
te abri outro parêntese
para que entrássemos, sem fazer barulho,
na madrugada;
este último foi um dia de merda.


Victor Heringer

23 setembro, 2013

Notas para conservar la memoria 1


No puedo encerrarte:
eres la calle llena de gorriones y de locos.
No puedo ordenarte:
eres un amasijo oscuro de humedad lasciva.
No puedo alcanzarte:
eres el caballo que galopa sin destino.
No puedo amarte:
eres el saco de los miedos de la gente de bien.
No puedo pensarte:
eres la idea que me tiraniza en el insomnio.
Sin embargo, te puedo conocer:
eres como yo, con otra piel.


Miren Agur Meabe



Foto: Outra pele. Saint-Genix-sur-Guiers. França.

06 setembro, 2013

Leve



leve a semente vai
onde o vento leva
gente pesa
por mais que invente
só vai onde pisa

viver ou morrer
é o de menos
a vida inteira
pode ser
qualquer momento
ser feliz ou não
questão de talento


Alice Ruiz e Iara Renó









Foto: Sonhando como criança. Fifi Lapin por @poeminha.
...

Para Anna Paula, com dois enes e milhares de estrelas.


Faz uns dois meses recebi uma encomenda que me deixou com frio na barrigafazer uma boneca Fifi Lapin! encomenda de uma das pessoas mais inspiradoras e doces que conheço, a Paula Popi. Nem sabia quem era Fifi, mas ao pesquisar fui me apaixonando cada dia mais por esta coelhina estilosa e delicada. Tá, me apaixonei, e agora? Não havia moldes nem tutoriais, pouquissimas bonecas em tecido que lembravam de longe a Fifi. O que fazer??? Resolvi encarar o desafio, o máximo que aconteceria era não dar certo. E não é que deu?!? Obrigada, Paula, por acreditar em mim :)




Lo que no se ha dicho


Hay en mi alma un pozo muerto, donde no
se refleja el sol, y del que huyen los pájaros
con terrores de virgen ante un misterio de
cadáveres.

Mi alma es un palacio de piedra, donde habitan los ausentes,
trayéndome la sombra de
sus cuerpos para alivio y compañía de mi
vida.

Mi alma es un campo desbastado donde el
rayo quemó hasta las raíces, y donde no
puede florecer ni el cardo.

Mi alma es una huérfana loca, que anda de
tumba en tumba buscando el amor de los
muertos.

Mi alma es una flecha de oro perdida en un
charco de fango.

Mi alma, mi pobre alma, es una ciega que
marcha a tientas sin apoyo y sin guía.


Teresa Wilms Montt

Foto: Das coisas idas. Beira-Mar Norte. Florianópolis. 

30 agosto, 2013

Oda al picaflor


Al colibrí 
volante 
chispa de agua, 
incandescente gota 
de fuego 
americano, 
resumen 
encendido 
de la selva, 
arco iris 
de precisión 
celeste: 
al picaflor 
un arco, 
un hilo 
de oro, 
¡una fogota 
verde! 

Oh 
mínimo 
relámpago 
viviente, 
cuando 
se sostiene 
en el aire 
tu 
estructura 
de polen, 
pluma 
o brasa, 
te pregunto, 
¿qué cosa eres, 
en dónde 
te originas? 
Tal vez en la edad ciega 
del diluvio 
en el lodo 
de la fertilidad, 
cuando 
la rosa 
se congeló en un puño de antracita 
y se matricularon los metales, 
cada uno en 
su secreta 
galería, 
tal vez entonces 
de reptil 
herido 
rodó un fragmento, 
un átomo 
de oro, 
la última 
escama cósmica, una 
gota 
del incendio terrestre 
y voló 
suspendiendo tu hermosura, 
tu iridiscente 
y rápido zafiro. 

Duermes 
en una nuez, 
cabes en una minúscula corola, 
flecha, 
designio, 
escudo, 
vibración 
de la miel, rayo del polen, 
eres tan valeroso 
que el halcón 
con su negra emplumadura 
no te amendrenta: 
giras 
como luz en la luz, 
aire en el aire, 
y entras 
volando 
en el estuche húmedo 
de una flor temblorosa 
sin miedo 
de que su miel nupcial te decapite. 

Del escarlata al oro espolvoreado, al amarillo que arde, 
a la rara 
esmeralda cenicienta, 
al terciopelo anaranjado y negro 
de tu tornasolado corselete, 
hasta el dibujo 
que como 
espina de ámbar 
te comienza, 
pequeño ser supremo, 
eres milagro, 
y ardes 
desde 
California caliente 
hasta el silbido 
del viento amargo de la Patagonia. 
Semilla del sol 
eres, 
fuego 
emplumado, 
minúscula 
bandera 
voladora, 
pétalo de los pueblos que callaron, 
sílaba 
de la sangre enterrada, 
penacho 
del antiguo 
corazón 
sumergido. 


Pablo Neruda

...
dos seres que amo

01 agosto, 2013

Possibilidades


Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoievski.
Prefiro-me a gostar das pessoas
que a amar a humanidade.
Prefiro para uma emergência ter agulhas e linhas.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não afirmar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro falar de outras coisas com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não os escrever.
Prefiro no amor os pequenos aniversários
para festejar todos os dias.
Prefiro os moralistas que nada me prometem.
Prefiro uma bondade algo prudente
a outra confiante em demasia.
Prefiro a terra à civil.
Prefiro os países conquistados
aos conquistadores.
Prefiro guardar as minhas reservas.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro as fábulas de Grimm às primeiras páginas dos jornais.
Prefiro folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro gavetas.
Prefiro muitas coisas que não menciono aqui
a outras também aqui não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
aos dispostos em fila para o número
Prefiro o tempo de insetos ao de estrelas.
Prefiro fazer figas.
Prefiro não perguntar se ainda demora e quando é.
Prefiro tomar em consideração a própria possibilidade
de ter a existência o seu sentido.


Wislawa Szymborska

....

Hoje meu amado sobrinho faz dezessete anos do outro lado do mundo... E de todas as pessoas que conheço na vida, é à ele quem desejo a maior felicidade, daquelas mais puras, doces e de verdade! 





05 julho, 2013

Qué les queda por probar a los jóvenes


¿Qué les queda por probar a los jóvenes
en este mundo de paciencia y asco?
¿sólo grafitti? ¿rock? ¿escepticismo?
también les queda no decir amén
no dejar que les maten el amor
recuperar el habla y la utopía
ser jóvenes sin prisa y con memoria
situarse en una historia que es la suya
no convertirse en viejos prematuros

¿qué les queda por probar a los jóvenes
en este mundo de rutina y ruina?
¿cocaína? ¿cerveza? ¿barras bravas?
les queda respirar / abrir los ojos
descubrir las raíces del horror
inventar paz así sea a ponchazos
entenderse con la naturaleza
y con la lluvia y los relámpagos
y con el sentimiento y con la muerte
esa loca de atar y desatar

¿qué les queda por probar a los jóvenes
en este mundo de consumo y humo?
¿vértigo? ¿asaltos? ¿discotecas?
también les queda discutir con dios
tanto si existe como si no existe
tender manos que ayudan / abrir puertas
entre el corazón propio y el ajeno /
sobre todo les queda hacer futuro
a pesar de los ruines de pasado
y los sabios granujas del presente.


Mario Benedetti


Foto: Obra de William Kentridge Fortuna. Museu Iberê Camargo. 2013

01 abril, 2013

primaveras


Começo de primavera. Aoste. FR.

a flor busca seu caule
o perfume do mato molhado
no corpo, no sonho
ser mulher, nua, sua,
suave lembrança
das pétalas soltas
da terra

a flor busca sua raiz
ser, consigo, feliz



Claudia Félix





...
escrita em abril de 2010, para LR

patiodotempo.blogspot.com

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"e o mundo é meu, o mundo é seu, de todo mundo..." Zeca Baleiro