24 julho, 2023

Nalgum lugar

Roseira do pátio de casa. 2022.

nalgum lugar em que eu nunca estive, 
alegremente além
de qualquer experiência, 
teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil 
há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar 
porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar 
facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, 
nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala 
como a primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) 
a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado,
eu e minha vida nos fecharemos belamente,
de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respiras

(não sei dizer o que há em ti que fecha e abre;
só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos
é mais profunda que todas as rosas)

ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas...

(E.E. Cummings, traduzido por Augusto de Campos)


"Nalgum lugar" - musicado por Zeca Baleiro...

21 junho, 2023

Veneza, da janela de Sartre

"A água está demasiado calma; não a ouvimos. Tomados por uma certa suspeita, eu me debruço: o céu caiu ali dentro. Ela mal ousa se mover e suas milhares de dobras embalam confusamente a enfadonha Relíquia que fulgura por intermitências. Ao longe, a leste, o canal se interrompe, é o começo da grande poça leitosa que se estende até a Chioggia: mas daquele lado, é a água que está de saída: meu olhar desliza para uma vidraça, resvala e vai se perder, tendo em vista o Lido, em uma morna incandescência. Faz frio; um dia nulo anuncia seu palor; mais uma vez Veneza se toma por Amsterdã; aquelas pálidas formas acinzentadas ao longe são palácios. É assim, aqui: o ar, a água, o fogo e a pedra não param de se inverter, de trocar suas naturezas ou seus lugares naturais, de brincar de quatro cantos ou de pega-pega; jogos antigos e sem inocência; assistimos ao treino de um ilusionista. (...)" 


Jean-Paul Sartre em "O sequestrado de Veneza" 



assim vai, livro afora . . . nem de copiar tenho vontade de parar... Trata-se de um ensaio sobre o pintor veneziano Tintoretto, não descrevendo sua obra, mas partindo da trajetória do pintor, Sartre retrata a tragédia da arte moderna.  
Não escrevo mais sobre esta primorosa crônica, para que assim  possas ler e saborear as linhas belíssimas no próprio livro, recomendo. 

E hoje Sartre faria aniversário ... Quis escrever-lhes algo novo sobre ele, dames, mesdames et messieurs: tarefa difícil esta. Lendo este trecho, vejo da minha janela apenas prédios de péssima arquitetura, mas há esta chuvinha charmosa e o início do inverno com suas promessas de cafés e chás e bate-papos. Daqui de minha escrivaninha sonho um dia olharmos por alguma janela em Veneza, com os olhos de Sartre.
Estes olhos que mudaram o mundo...

por Claudia Félix
(Escrito inicialmente em 21 de Junho de 2011, reescrito em Junho de 2023)
Imagem: Foto de um tapete que meu pai trouxe de Veneza, em 1959.

07 março, 2023

Sol poente

Poente. Campeche. Fevereiro de 2023.

Que bom que você gosta, ele disse,
já que talvez seja o último do tipo.
Não havia nada a dizer;
na verdade, parecia o fim de alguma coisa.
Era um momento solene.
Ficamos um tempo em silêncio, olhando juntos para ele.

Lá fora o sol se punha,
o tipo de simetria precisa
que sempre registrei.

Se pelo menos eu soubesse, ele disse,
o efeito das palavras.
Você está vendo como esta coisa ganhou peso e importância
desde que eu falei?

Eu podia ter feito isto há muito tempo, ele disse,
em vez de gastar meu tempo começando uma e outra vez.

2.

Meu professor tinha um pincel na mão
mas depois eu também tinha um pincel na mão -
os dois em pé juntos olhando para a tela
pelos cantos da qual
brotava uma turbulenta escuridão; no centro,
ostensivamente, o retrato de um cão.
O cão tinha uma certa qualidade forçada;
agora eu percebia. Nunca
fui muito boa com coisas vivas.
Com luminosidade e escuridão me viro bastante bem.
Eu era muito jovem. Diversas coisas haviam acontecido
mas nada havia acontecido
uma e outra vez, o que faz uma diferença.
Meu professor, sem ter dito uma só palavra, começou a se virar
para os outros alunos. Por mais que eu sentisse pena de mim
                                           [naquele momento,
sentia mais pena ainda do meu professor, que sempre usava
                                           [as mesmas roupas
e não tinha uma vida, pelo menos não uma vida aparente,
só um sentimento agudo do que estava vivo na tela.
Com a mão livre, toquei seu ombro.
Por que, perguntei, o senhor não fez nenhum comentário                                 

  [sobre a obra que está diante de nós?

Fui cego durante muitos anos, ele disse, embora tivesse um olho sutil e judicioso quando via,
qualidades que, acredito, estão fartamente evidenciadas na
                                   [minha própria obra.
É por isso que dou tarefas a vocês, ele disse,
e por isso sou tão rigoroso nas perguntas que faço.
Quanto a meu dilema atual: quando acho, ao ver o desespero
e a raiva de um aluno, que ele se tornou um artista,
nesse caso eu falo. Diga-me, continuou,
O que você acha do seu próprio trabalho?

Está faltando noite, respondi. Na noite posso ver minha
                                          [própria alma.
É também o que penso, ele disse.

3.

Sou contra
a simetria, ele disse. Segurava com as duas mãos
um pedaço desequilibrado de madeira que um dia
já fora bem grande, como um galho de árvore:
isso foi antes da segunda vida que teve na água,
depois da qual, embora houvesse menos dele
em termos de massa, havia maior
densidade espiritual. A madeira flutuante,
ele disse, confirma meu ponto de vista - é por isso que ela
                                                    [parece
inerentemente dramática. Para sublinhar sua opinião,
bateu na madeira. Com certa violência, parece,
porque um pedaço quebrou.
Movimento!, ele exclamou. Aprendam! Olhem essas pinturas,
ele disse, referindo-se às nossas. Eu trabalho com arte
há mais tempo do que vocês respiram
e mesmo assim minhas telas têm vida, se afogam
em vida - Nesse ponto, calou-se.
Eu estava ao lado do meu trabalho, que agora parecia rígido
                                                [e sem vida.
Hora do intervalo, ele disse.

Saí da sala, por um momento, para o ar da noite.
Era uma noite fria. A cidade ficava numa praia,
perto do local onde antes estava a mata.
Senti que não tinha futuro nenhum.
Havia tentado e fracassado.
Havia tomado meus fracassos por triunfos.
A expressão fumaça e espelhos entrou na minha cabeça.
E de repente o professor estava do meu lado,
fumando um cigarro. Fazia muitos anos que ele fumava,
a pele dele era cheia de rugas.
Você estava certa, ele disse, no modo
como instintivamente se recolheu.
Poucos fazem isso, como vai perceber.
O trabalho virá, disse. Os traços
vão emergir do pincel. A essa altura fez uma pausa
para fitar calmamente o mar no qual, agora,
todos os planetas se refletiam. A madeira flutuante|
é pura cena, disse; distrai as crianças.
Mesmo assim, disse, é bem bonito, eu acho,
como aquelas árvores deformadas que os chineses cultivam.
Bon-sai, é o nome. E me entregou
o pedaço de madeira flutuante que havia quebrado.
Comece pequeno, disse. E deu um tapinha no meu ombro.

4

Procurem pensar, disse o professor,
numa imagem da infância.
Colher, disse um garoto. Ah, disse o professor,
isso não é uma imagem. É sim,
disse o garoto. Veja, eu seguro a colher na mão
e no lado convexo aparece um cômodo
só que distorcido, e é preciso mais tempo para ver o centro
do que os dois lados. Sim, disse o professor, é o que acontece.
Mas no sentido mais amplo, não é: se você move a mão
mesmo uns centímetros, já não é isso. Você não estava lá, disse
                                                  [o garoto.
Não sabe como arrumávamos a mesa.
É verdade, disse o professor. Não sei nada
da sua infância. Mas se você adicionar sua mãe
ao mobiliário distorcido, terá uma imagem.
Ela será boa, perguntou o garoto, uma imagem forte?
Muito forte, disse o professor.
Muito forte e plena de presságios.

Louise Glück 

. . .

Poema do livro "Receitas de inverno da comunidade", da ganhadora do Nobel da Literatura de 2020, Louise Glück.

Ganhei o livro de meu bem numa de suas vindas de Porto Alegre. Uma belíssima surpresa! Cada poema ali é como chegar num lugar quente e acolhedor, numa noite muito fria... e não estamos sós... 

Nunca tinha sentido esta sensação ao ler poemas, a de fazer parte da humanidade e de lembrar de meu grupo: mãe, irmãs, professores, amigos de infância, amigos de juventude... 

Este livro tem a beleza de jóia bruta: rústica, natural, cujo brilho e a preciosidade vamos percebendo a medida que tocamos... Tão raro ler algo assim.


31 janeiro, 2023

répteis

se houver tempo, 
devolve a poesia aos répteis 
(Edimilson de Almeida Pereira)

Filhotinho de lagarto passeando
enquanto eu fazia pilates com a Tathi
se houver tempo
devolve a poesia aos répteis
deixa que ela se estenda o sol
infle os pulmões sobre as costelas
rústica      algo quebradiça
mas a bem da verdade inocentada
desses e de outros adjetivos
se houver tempo
devolve os répteis aos répteis
as matas à sua filigrana
o pântano às suas poças
os mares à sua luz
devolve o humano ao seu
um tanto quanto
ave réptil anfíbio (parentes
a 400 milhões de anos)
capaz de se espraiar pelo tempo
de vida
que ainda houver
e saber que ela deve também se passa
de graça e à toa
enquanto estranhos fantasmas
degolam-se uns aos outros
no subsolo dos distritos financeiros
e sempre chegam tarde para o jantar


Adriana Lisboa

...

Do livro "Os vivos", de Adriana Lisboa, que ganhei de meu bem quando chegou de Porto Alegre, em janeiro de 2023. 

12 janeiro, 2023

Pedritas en la ventana

Minha netinha Jojo na janela de casa. 2013.

De vez em quando a alegria atira pedrinhas em minha janela

quer avisar-me que está lá esperando

mas hoje me sinto calmo

quase diria equânime

vou guardar a angústia em seu esconderijo

e logo estender-me de cara ao teto

que é uma posição galharda e cômoda para filtrar notícias

e acreditar nelas

quem sabe onde ficam minhas próximas pegadas

nem quando minha história vai ser computada

quem sabe que conselhos vou inventar ainda

e que atalho acharei para não segui-los

está certo não brincarei de despejo

não tatuarei a recordação com esquecimentos

muito fica por dizer e calar

e também ficam uvas para encher a boca

está bem me dou por persuadido

que a alegria não atire mais pedrinhas

abrirei a janela

abrirei a janela


Mario Benedetti

04 janeiro, 2023

Meu amigo,

Meu amigo, 

quase já não escrevo

passo o dia sentada em algum lugar

olhando florescer qualquer coisa que esteja

posta diante dos olhos


com isso já vi morrer uma pedra e um cachorro enforcar-se

numa nesga de sol


mas nada disso era uma palavra

dessas que coloco agora uma após a outra para que depois você as receba como um aviso de que ainda não morri de todo


não se parecia tampouco com uma palavra embora lembrasse vagamente naufrágio

a mulher que atravessou a rua velozmente

carregando como uma criança um girassol sem cabeça


e o que encontrei 

um dia após o outro 

não foi uma palavra


mas uma canoa em chamas não foi uma palavra mas um acidente doméstico

envolvendo um barco de brinquedo

e uma máquina de costura

não foi uma palavra


(embora em torno das coisas 

sempre se ajuntem palavras 

como cracas no casco 

de uma embarcação antiga)


às vezes sim me ocorre encontrar uma palavra

apenas quando a encontro 

ela se parece com um buraco

cheio de silêncio


às vezes sim me ocorre encontrar uma palavra

enganchada numa lembrança

como uma lâmpada num bocal


um poema não é mais 

do que uma pedra que grita


risque por favor

esta palavra



Ana Martins Marques 


. . .


Para começar 2023 trouxe este poema absolutamente vertiginoso. 


Uma das minhas grandes descobertas na pandemia foi a poeta Ana Martins Marques! Seus poemas penetram na hipoderme, quase pertencessem ao meu corpo. Amo todos os seus livros, e este é o último que comprei  "Risque esta palavra".

17 setembro, 2021

AUTODEFINICIÓN

 

Soy Teresa Wilms Montt
y aunque nací cien años antes que tú,
mi vida no fue tan distinta a la tuya.
Yo también tuve el privilegio de ser mujer.
Es difícil ser mujer en este mundo.
Tú lo sabes mejor que nadie.
Viví intensamente cada respiro y cada instante de mi vida.
Destilé mujer.
Trataron de reprimirme, pero no pudieron conmigo.
Cuando me dieron la espalda, yo di la cara.
Cuando me dejaron sola, di compañía.
Cuando quisieron matarme, di vida.
Cuando quisieron encerrarme, busqué libertad.
Cuando me amaban sin amor, yo di más amor.
Cuando trataron de callarme, grité.
Cuando me golpearon, contesté.
Fui crucificada, muerta y sepultada,
por mi familia y la sociedad.
Nací cien años antes que tú
sin embargo te veo igual a mí.
Soy Teresa Wilms Montt,
y no soy apta para señoritas.



Teresa Wilms Montt

. . .

Teresa Wilms Montt foi uma escritora chilena libertária do início do século XX. Nasceu em Viña del Mar em 8 de setembro de 1893 e faleceu em 24 de dezembro de 1921, em Paris, aos 28 anos. Considerada precursora do anarcofeminismo, sua vida breve foi repleta de acontecimentos marcantes. Filha de uma família rica, era extremamente bonita e inteligente. Casou-se aos 16 anos com um funcionário público, Gustavo Balmaceda Valdés, 10 anos mais velho, com quem teve 2 filhas. 5 anos depois, em 1915, foi internada num convento pelo marido, por ter um caso extraconjugal. Teresa foge do convento e vai morar em Buenos Aires, onde publica 2 livros e lá participa da vida literária. Ela se envolve com Horacio Mejía, poeta argentino, que se suicida na casa dela, o que a faz mudar-se para Nova York para ser enfermeira na Cruz Vermelha. Ao chegar lá é acusada de ser espiã alemã, sendo posteriormente liberada. Teresa então viaja para Madrid, começa a fazer parte do circulo literário e publica um livro. Volta para Buenos Aires, em 1919, e publica seu último livro em vida. Depois retorna à Europa, viajando por vários países. Ela reencontra suas filhas e sogro em 1920 na Bélgica, mas após partirem ela entra em depressão. Em 22 de dezembro de 1921 ela toma altas doses de remédio para dormir, morrendo 2 dias depois, na véspera de natal. Somente no Sec. XXI que sua obra poética e seus diários íntimos são retomados. 

(Fonte: https://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3-article-805.html)

19 novembro, 2020

Qual o som do seu silêncio?

Parte 1

A proposta era mandar uma resposta para a pergunta: "Qual o som do seu silêncio". Apenas 40 pessoas seriam selecionadas e ganhariam "O livro das cores não ditas #2". Mandei minha resposta:

"Chilreios suaves de pássaros, latidos ao longe quando em vez, marulho das ondas no fim da rua e o farfalhar de vento nas arvores. (Quando estou sozinha em casa, e a paz baixa por sobre todas ascoisas, a vida ao redor pulsa, fazendo este silêncio em mim...)"

E um dia me chegou o e-mail dizendo que havia sido sorteada! O livro demorou um tempinho, mas quando chegou, quanta lindeza... Eu deveria mandar em troca algo que tivesse valor afetivo.

Desde ali fiquei pensando no que mandar. A casa cheia de verão e mil coisas por fazer. Só em finais de abril consegui começar. Fiz uma toalhinha de mesa simples, as que mais gosto, uma cestinha de pão, um descansa-bule bordado e uma toalhinha de crochê feito por minha avó. Era esta a peça afetiva que mandava. E como é difícil doar algo que se ama e de quem se ama. Só em maio enviei. E depois esperei ansiosamente quando chegaria lá, o que elas diriam. Em junho postaram no Facebook.


Parte 2

Tempo para tomar um café-da-manhã. Tempo para tomar chá com a mãe. Tempo para fazer um bolo para a amiga que virá. Tempo para sentir um poema. Tempo para costurar um presente. Tempo para o por-do-sol. Tempo para correr com as netas. Tempo para namorar. Tempo para conversar com a filha. Tempo para ver as flores crescendo. Tempo para escrever para as irmãs. Tempo para fazer comida com o sobrinho. Tempo para jantar com o enteado. Tempo para ouvir o silêncio. Tempo para perceber as cores. Tempo para trabalhar.

Todos estes tempos o Coletivo Xícara me fez pensar. No tempo que já se foi, no tempo que estamos, no que virá. Em como cada vez mais as pessoas tem pouco tempo para o contato real com o mundo. Como a relação de compra substituiu a generosidade da troca. Como o afeto é importante entre nós.

...

Parte 3

E neste dia que escrevi estes parágrafos acima, com a idéia de terminar mais tarde, recebi a notícia de que uma amiga muito jovem e muito querida morreu.

O silêncio tocou fundo, o silêncio das lágrimas que caem para dentro. Minhas palavras perderam o sentido. Ainda preciso construir este tempo: o de estar mais com todas as pessoas que amo, pois o tempo que perdemos não se recupera, mas o tempo que compartilhamos se multiplica para a eternidade!


((Só tenho a agradecer por todo o tempo que compartilhei nesta vida contigo, Danielle, uma das pessoas mais alegres e divertidas que já conheci.))

(((Escrito em 2014))) 


24 setembro, 2015

do tempo

un-gif-dans-ta-gueule:

variation of an old gif…



Os anos passaram rápido 
por nossos olhos, peitos, cabelos, 
por todos os dias e horas 
que nem sabemos mais 
quanto riso e quanta lágrima, 
quanto amor e angústia, 
quanto sonho.


Claudia Félix


09 setembro, 2015

Primeira netinha

Minha primeira netinha- 2010






e ela trouxe
no sorriso do olhar
um céu sem nuvens
uma ternura tão grande
a alegria mais pura
a esperança urgente
ensinando a gente
o que é na verdade
amar.


Claudia Félix


...

Hoje minha neta mais velha fez 5 anos. "Uma mão cheia", disse ela com orgulho. Agora ela não é mais pequena, já é média! Hoje faz 5 anos que me tornei avó e descobri o que é o melhor amor da vida! 

Toda felicidade, proteção, saúde, amor, diversão, aprendizado, sorte e muitos muitos presentes, meu amor de netinha!


12 junho, 2015

Muito mais grave

Lagoa da Conceição. Foto by Claudia Félix.

Todas as parcelas de minha vida têm algo teu
e isso na verdade não é nada de extraordinário
tu o sabes tão objetivamente como eu

no entanto há algo que gostaria de esclarecer-te
quando digo todas as parcelas

não me refiro só a isto de agora
a isto de esperar-te e aleluia encontrar-te
e caramba de perder-te
e voltar a encontrar
e oxalá nada mais

não me refiro só a que de pronto digas
vou chorar
e eu com um discreto nó na garganta
bom, chora
e que um lindo aguaceiro invisível nos ampare
e quem sabe por isto saia em seguida o sol

nem me refiro só a que dia após dia
aumente o estoque das nossas pequenas
e decisivas cumplicidades
ou que eu possa     ou crer que posso
converter os meus reveses em vitórias
ou me faças o terno presente
do teu mais recente desespero

não
a coisa é muitíssimo mais grave

quando digo todas as parcelas
quero dizer que além desse doce cataclisma
também estás a reescrevendo minha infância
essa idade em que dizemos coisas adultas e solenes
e os solenes adultos as celebram
e tu ao contrário sabes que isso não serve
quero dizer que estás rearmando minha adolescência
esse tempo em que fui um velho carregado de receios
e tu sabes em troca extrair desse deserto
o meu gérmen de alegria         e presenteá-lo olhando-o

quero dizer que estás sacudindo minha juventude
esse cântaro que ninguém nunca pegou em suas mãos
essa sombra que ninguém aproximou da sua sombra
e tu em troca sabes estremecê-la
até que comecem a cair as folhas secas
e fique a armação da minha verdade sem proezas

quero dizer que estás abraçando minha maturidade
esta mistura de estupor e experiência
este estranho confim de angústia e neve
esta vela que ilumina a morte
este precipício da pobre vida

como vês é mais grave
muitíssimo mais grave
porque com estas ou com outras palavras
quero dizer que não és tão só
a querida menina que és
mas também as esplêndidas
ou cautelosas mulheres
que quis ou quero

Porque graças a ti tenho descoberto
(dirás já era hora             e com razão)
que o amor é uma baía linda e generosa
que se ilumina e se escurece
segundo venha a vida

uma baía onde os barcos
chegam e se vão

chegam com os pássaros e augúrios
e se vão com sirenes e nuvens carregadas
uma baía linda e generosa
onde os barcos chegam
            e se vão
Mas tu
por favor
               não te vás.



Mario Benedetti

19 maio, 2015

Fonfom



E assim a vida segue: as flores desabrocham, as borboletas alçam vôos pela tarde ensolarada, os aviões somem no azul, a saudade vai virando epiderme, pois a vida segue, aqui e lá longe, para lá onde aviões e borboletas migram, para lá onde moram os sonhos, para lá onde meu sobrinho Fonfom fez mais um ano, para lá, para além mar, é para lá que hoje seguem todas as coisas lindas: a vida! 



Claudia Félix
..........

Um looooongo abraço em ti, cheio de amor e saudade, meu sobrinho amado.


02 maio, 2015

Momento


O mundo que se inunda claro em vultos roxos
No caos profundo em que a tristura
Tange mansinho os ventos aos mulambos.

A gente escapa da vontade.
Se sente prazeres futuros,
Chegar em casa,
Reconhecer-se em naturezas-mortas...

Ôh, que pra lá da serra caxingam os dinossauros!

Em breve a noite abrirá os corpos,
As embaúbas vão se refazer...

A gente escapa da vontade.
Os seres mancham apenas a luz dos olhares,
Se sobrevoam feito músicas escuras.

E a vida, como viola desonesta,
Viola a morte do ardor, e se dedilha...
Fraca.


Mário de Andrade (1926)

Foto: A caminho do sul. Abril 2015

10 outubro, 2014

HER

ATENÇÃO - Contém Spoiler! 

Muitos falaram deste filme quando lançado. Li o mínimo que pude, sabia apenas que ele, Joaquim Phoenix, se apaixonava por um programa de computador. Até demorei a assistir porque, creio, eu tinha certo preconceito com este tema. Mas acabo de terminar de assistir e precisei vir correndo escrever.

HER, com direção e roteiro de Spike Jonze, traz no elenco Joaquin Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Olivia Wilde, e Scarlett Johansson (a voz do Sistema Operacional). Não sabemos ao certo em que ano se passa a história, sem dúvida num futuro não muito distante, na cidade de Los Angeles. Theodore trabalha escrevendo lindas cartas para "terceiros". Apesar de trabalhar, encontrar amigos, jogar vídeo-games, fazer tele-sexo, caminhar pela cidade, Theo está distante de todos, isolado, solitário. Certo dia resolve comprar um novo Sistema Operacional ao ver uma propaganda que dizia "Quem é você? o que você pode ser? Para onde você vai? O que há la fora? Que possibilidades existem? O OS1 é um sistema operacional de inteligência artificial, uma entidade intuitiva que o escuta, o compreende e o conhece. Não é apenas um SO, é uma consciência."

Theo começa a usar seu novo "sistema", um programa de computador muito atento que, além de escutá-lo, percebe sua tristeza, suas indecisões, ajuda-o a organizar sua vida, as coisas que deixou pendentes. A medida que vai usando, Theo começa a estabelecer um relacionamento com o "Sistema", que se batizou "Samantha". Ela, Samantha, vai aos poucos aprendendo sentimentos, criando novos pensamentos, compartilhando suas descobertas e alegrias com Theo.

Aos poucos Samantha vai se tornando parte da vida dele, aquela com quem consegue conversar sem medo nem melindres, aquela com quem divide seu cotidiano, compartilha problemas. Theo começa a sair de seu isolamento e a se relacionar com os colegas e amigos de outra forma. Theo e Samantha vão se apaixonando e se deparando com os problemas de ser uma relação entre um homem e um sistema operacional. Assim como uma pessoa modifica-se ao longo do tempo, das experiências, Samantha também foi mudando e suas possibilidades se ampliando. Ao invés de retirá-lo da realidade, Samantha foi fazendo Theo perceber novamente o som, o sol, as pessoas a sua volta. O fez perceber sua vida, resgatar seus sonhos.

A medida que a relação vai se complexificando, eles também vão se deparando com problemas comuns a qualquer relação amorosa: ciúmes, inseguranças, épocas sem tesão, mentiras, brigas, afastamentos. Ele a quer só para ele, ela lhe diz "Sou sua e não sou". Eis a antiga questão do amor sado-masoquista, profundamente trabalhada por Jean-Paul Sartre em "O Ser e o Nada": o impasse de desejar aprisionar a liberdade do outro. Mas Samantha "é" consciência, e consciência é liberdade. E não é possível aprisionar uma "consciência", nem uma artificial ou virtual, pois o outro sempre nos escapa, não nos pertence, não é coisa!

ELA, o Sistema Operacional, interage com ELE, Theo, estabelecendo desde o início um diálogo no qual ELA o vai conhecendo, criando uma cumplicidade e, ao mesmo tempo, ELA vai pontuando questões que identifica como problemas nele e colocando questões para ele refletir, mostrando caminhos para mudar. ELA organiza a agenda, a escrivaninha, revê tudo que ELE sonha e dá seguimento ao que ELA vê que é importante para ELE. ELA o leva  a retomar as relações com os amigos, ex-namorada, novas possibilidades amorosas. ELA cria uma relação afetiva com ELE e vai ampliando a reflexão dela sobre o próprio relacionamento deles e sobre os próprios sentimentos deles. ELA se move como liberdade e não se deixa apreender por ELE e, ao partir, faz com que ELE seja sujeito de sua vida, que encare o mundo como uma grande possibilidade, que saia da solidão e busque a amiga, que também está sofrendo. ELA faz com que ELE compreenda como cada relação é preciosa e transforma e enriquece cada pessoa, mesmo quando elas se separam.

A fotografia é um caso de amor a parte: poética, primorosa. Joaquin Phoenix é outro caso de amor a parte, consegue levitar nas cenas, interpretando o sensível Theo com uma densidade e uma entrega rara de se ver. O figurino e a maquiagem "retrô-futurista" dão consistência à atmosfera nostálgica. A direção é de uma delicadeza impressionante; o roteiro, ganhador do Oscar, instigante e belo.

O filme foge dos clichês ao mostrar o futuro e a tecnologia sem apocalipse, sem super-heróis, sem bandidos nem mocinhos, sem mocinhas (literalmente). Ao contrário, o mundo é esperançoso, a tecnologia está a serviço da superação dos problemas humanos. O futuro está em aberto e depende da ação de cada um e da relação com os outros. Porém, a meu ver, mais do que tratar da relação homem/computador, homem/tecnologia,  o filme é uma reflexão belíssima sobre o fenômeno do processo amoroso: desde o início até a separação. Trata da paixão, do amor, da conexão entre os seres, da tristeza de uma relação que chega ao fim, mesmo amando o outro e sendo amado. Do caminho de volta. Esta é a grande questão do filme, e uma das grandes questões da vida!


Claudia Félix

...

A carta de final de amor mais linda, digna, delicada que já vi...

Querida Catherine.
estou aqui pensando em tudo pelo qual eu gostaria de me desculpar
Por toda a dor que causamos um ao outro
Toda culpa que eu lhe atribuí
Por tudo o que eu precisava que você fosse ou você dissesse
Sinto muito por isso
Sempre vou te amar porque nós amadurecemos juntos
e você me ajudou a ser quem eu sou
eu só queria que você soubesse que sempre haverá uma parte de você em mim
e que sou grato por isso
quem quer que você venha a se tornar e onde você estiver no mundo
estarei lhe mandando o meu amor

Você é minha amiga para sempre.

Amor, 

Theodore

....

Escrevi as primeiras impressões logo depois de ver o filme, há mais de mês. Hoje revisei e acrescentei novas linhas para podermos conversar sobre :)

Beijos

24 agosto, 2014

apenas


tanto tempo passou
aqui estamos
esquecidos
de coração que bate lento
de olhar perdido
um sentimento arde
nesta tarde fria
um silêncio sussurra
um cão late lá fora
uma vontade de ser
abraçada
apenas


Claudia Félix

19 agosto, 2014

Irmãs...


Hoje é dia do aniversário de minhas irmãs gêmeas.

Passei o dia todo com minha dupla de netinhas e, por conta de minhas irmãs morarem fora e nossos fusos diferentes, não consegui falar com elas, nem por Skype.

Fiquei observando as duas irmãzinhas, irmãs no sentido mais puro e primordial do termo: em todas as idas e vindas, uma ficava tentando chegar primeiro que a outra nos lugares. A maior muitas vezes enrolando a menor, a menor chorando e ganhando a disputa com a intervenção da mãe. As duas querendo um mesmo livro, um mesmo carrinho, uma mesma boneca, um mesmo tudo. A maior brincando num brinquedo, a menor esperando a vez. A menor comendo tudo, a maior enrolando. Uma correndo para um lado a outra disparando para outro e nós dividindo pra qual lado correr. As duas falando ao mesmo tempo e querendo o meu olhar. A menor falando numa língua incrível, mistura de português com olhares arregalados, cabeça no ombro e boca de beijinho, complexo demais para mim, e a maior traduzindo com muita calma, explicando que ela falava do passarinho que bateu no vidro e fez dodói. As duas rindo juntas, as duas chorando juntas, ... A maior abraçando a pequenina com olhar de tanto amor. A menor olhando a maior com adoração eterna...

Lembrei muito de vocês, muito de nós, irmãs, de como esse nosso amor foi sendo construído desde tão pequeninas, entre muitos tapas e beijos, disputas e solidariedade. Lembrei de como é fundamental a vida de vocês em minha vida. Lembrei da saudade que faz parte de meu rosto no espelho da manhã. Lembrei de como é bom saber que, aconteça o que acontecer, temos umas às outras.

Como queria estar hoje aí comendo um bolo de morango com chantilly, jogando conversa fora e, simplesmente, sentindo na pele o calor suave de ter vocês perto de meu coração.


Claudia Félix

Foto: Netinhas no meu coração. Florianópolis. 19 agosto 2014

24 julho, 2014

Amor que serena, termina?


Amor que serena, termina?
começa? que nova
velhice o espera para viver?
qual fulgor? amor surgindo

de si mesmo a si mesmo sendo
também memória de si
comendo
de si, que velha

sombra chupará sua nuca? Oh pestes
que visitaram meu país
atacaram se foram
alheias como o vento



Julian Gelman


18 julho, 2014

Nostalgia

De que se nutre a nostalgia?24db990395cfe35df4be950b838f140f Beautiful GIF Animations by Oamul Lu.
Alguém evoca doçuras
céus atormentados
escândalos sem ruído
paciências estiradas
árvores ao vento
opróbios prescindíveis
belezas de mercado
cânticos e alvoroços
garoas como penas
escopetas de sonho
perdões bem ganhados
mas com esses mínimos
não se arma a nostalgia
são meros simulacros
a válida a única
nostalgia é de tua pele



Mario Benedetti


...


Tradução livre por Claudia Félix


21 junho, 2014

trago uma flor


trago uma flor
do pátio da casa
que já foi tua
trago um silêncio
um aperto no peito
uma lágrima perdida
trago tua lembrança
para sempre
em minha vida




Claudia Félix

...

para meu irmão, que faria 50 anos.

19 junho, 2014

Meu caro amigo Chico,


O que seria te ouvir no vivo do dia? O que seria ver a clareza de teu olhar? O que seriam teus gestos espontâneos pegando o violão, olhando para um lado outro? Quando fui ao Rio, certa feita, orava ao Redentor para te ver passando e não te ver, pois não sei o que de mim seria depois desse dia.

Tua voz é uma das minhas lembranças mais remotas e está entrelaçada a meu ser, tal forma não conceberia um mundo sem a rouquidão das tuas músicas. 

Pulava pequenina esperando ‘A banda’ passar, cantando coisas de amor. Mais tarde, numa aula ginasial compreendi o ‘Cálice’, que se tornou o hino que eu entoava em meu peito adolescente nas brigas familiares, em plena ditadura. ‘Geni’ era o nome de minha avó, e ficava na fula da vida toda vez que ouvia teus impropérios! Muito mais tarde compreendi o que dizias.  Quando engravidei, aos 17, ouvia ‘O caderno’ aos prantos e, ao término do malfadado namoro, num dezembro triste, ‘Anos dourados’ foi o som das noites insones. E depois ‘Folhetim’.

Ninei minha filha, e agora minhas netas, cantarolando ‘João e Maria’. ‘Roda-viva’ eu cantava nos bares, na época da faculdade, abraçada aos amigos, vislumbrando um mundo melhor . 'Apesar de você’ foi o tema da festa de fim de ano, depois da derrocada de Lula para Collor. Tantas desilusões amorosas depois passaram, ‘Todo sentimento’ era o fundo de cada término de um amor. E quando minha grande amiga morreu os ‘Pedaços de mim’ que faltaram tiveram som. E depois, o de todos os que se foram.

E quando o ‘Cotidiano’ me prendia com seu tédio, lembrava que todo dia-a-dia tem alguma poesia.  E quando a paixão me tirava do chão e eu não sabia ‘O que será que será’, e seria. 

E é um mundaréu de sons e palavras belas, poemas, todas ressoando em algum lugar de meu ser e de toda gente. Seja burguês, pobre, proletário, dama, prostituta, mocinha decente, bandido, machista, feminista, homossexual, transsexual, heterossexual, indeciso, triste, alegre, louco, criança, jovem, velho, doutor, analfabeto, sulino, nordestino, capitalista, socialista, petista, anônimo, artista, seja quem for, onde for, tua arte é para todos sem distinção de qualquer espécie (exceto nazistas).

Estás dentro do arco que compreende minha existência, som que embala o sono bom, som dos carnavais, som que cria esperança nos dias tristes, um pedaço azul do céu, uma estrela nas noites de festa, uma chama nas noites de ardor, um alento nas noites de solidão. O mundo é mais bonito com teu olhar, Chico, luzeiro tão lindo de ouvir, palavras que tocam na gente como pele. Como gente. 

Muita vida, Chico, e felicidade, sim!


Claudia Félix


Ainda sonho um sonho possível: te ouvir ao vivo, e aqui!  E fica aqui registrado meu apoio à campanha: Vem pra Floripa, Chico, vem!

11 junho, 2014

Com quantos sonhos se faz uma netinha?




Com quantas asas se faz uma fada?
Com quantas piruetas se faz uma bailarina? 
Com quantas coroas se faz uma princesa?
Com quantos abraços se faz uma ursinha?

Basta apenas uma Lilizinha
e tudo se faz num instante:
fada, bailarina, princesa, ursinha, ...
Infinitos sonhos numa só netinha!



...

Há dois anos Lili fez do mundo
uma bola fofinha e feliz
recheada de amor:
do mais doce :)



 Claudia Félix

04 junho, 2014

melancolia


É tarde, sei, tenho que dormir. Mas faz tempo que não escrevo e hoje preciso. É que meus pés ficaram gelados o dia todo apesar das muitas meias. Sinto falta de algo quente. Hoje revi antigas amigas: um sabor de saudade, de tempo que passa. Tenho me deparado com esta questão do tempo: o rosto no espelho, a vontade de arrumar umas coisas, jogar fora outras, de apagar frases mal ditas, de mudar o cabelo, de aproveitar os minutos e, se possível, diminuir a rotação da Terra.

Faz tanto frio em meu quarto, os pés gelaram até pensamentos. Meu rim dói. Tive medo. Quero um colo, um afago, teus pés esquentando os meus. Hoje especialmente.

Ou amanhã.




Claudia Félix

(Num dia frio de 2012)



24 maio, 2014

Do amor maior do mundo


os filhos nunca crescem
no coração da gente
criam em nossas vidas
um recanto para sempre encantado
com cheiro de talco, riso de neném
barulho de correria no pátio
abraço apertado de braço pequenino
olhos iluminados, nariz vermelho
sopinha de batata, chá com mel e limão
um lugar único
de alegria sem fim
e quando eles voam
seguros e lindos
construindo seus sonhos
pessoas maravilhosas
neste mundo difícil
criam um novo lugar
no coração da gente
um lugar onde sorri uma mãe
realizada


Claudia Félix

...

Hoje é dia de celebrar tua vida, minha filha!!! Mulher incrível, mãe leoa e amorosa, esposa apaixonada, neta carinhosa, sobrinha estimada, prima divertida, amiga fiel, nora adorável, patroa querida, e a melhor filha do mundo!!! A cada dia te desejo, meu amor maior do mundo, toda felicidade, toda alegria, toda sorte, toda proteção, todo amor e tudo que há de mais belo!!! Amor, mammy. 

18 maio, 2014

ausência





e a tardinha cai
suave
e no alto uma pandorga
avisa do vento
ao pescador atento
a vida segue
e fica apenas
esta saudade
esta ausência
no mundo
que a brisa
leva




Claudia Félix





hoje fui na praia deixar o vento me abraçar neste dia de memória e lamento: dia do aniversário de meu pai, que se foi, e fica sempre este algo estranho no peito, nestes dias que já foram de comemorar... 

15 maio, 2014

Algum dia direi:




Algum dia direi:
"Antes lhes cantava os altos e baixos do coração,
mas acabaram por aborrecer-me.
Agora prefiro observar como crescem os cogumelos".

E meu caderno me olhará boquiaberto,
sem saber o que fazer, se rir ou chorar.




© Miren Agur Meabe


Algún día diré:
"Antes les cantaba a los altibajos del corazón,
pero acabaron por aburrirme.
Ahora prefiero observar cómo crecen los hongos".

Y mi cuaderno me mirará boquiabierto,
sin saber qué hacer, si reír o llorar.



  

14 maio, 2014

Eu te assei um bolo



Eu te assei um bolo,
te fiz café (ou chá),
te trouxe o açúcar de manhã,
te desenhei o mês de novembro nas coxas,
te expliquei um símbolo,
te cantei Elliott Smith e batuquei,
te fumei as horas
e elas nos passaram para trás
do armário em que não guardei as camisas dobradas; tenho a preguiça do gato.
Eu te fiz almoço
(salmão grelhado + salada de tomates + alcaparras + arroz branco + batatas cozidas),
te abri outro parêntese
para que entrássemos, sem fazer barulho,
na madrugada;
este último foi um dia de merda.


Victor Heringer

24 abril, 2014

Mucho más grave


Todas las parcelas de mi vida tienen algo tuyo
y eso en verdad no es nada extraordinario
vos lo sabés tan objetivamente como yo

sin embargo hay algo que quisiera aclararte
cuando digo todas las parcelas

no me refiero sólo a esto de ahora
a esto de esperarte y aleluya encontrarte
        y carajo de perderte
        y volverte a encontrar
        y ojalá nada más

no me refiero sólo a que de pronto digas
        voy a llorar
y yo con un discreto nudo en la garganta
        bueno llorá
y que un lindo aguacero invisible nos ampare
y quizá por eso salga enseguida el sol

ni me refiero sólo a que día tras día
aumente el stock de nuestras pequeñas
        y decisivas complicidades
o que yo pueda         o creerme que puedo
        convertir mis reveses en victorias
o me hagas el tierno regalo
        de tu más reciente desesperación

no
la cosa es muchísimo más grave

cuando digo todas las parcelas
quiero decir que además de ese dulce cataclismo
también estás reescribiendo mi infancia
esa edad en que uno dice cosas adultas y solemnes
y los solemnes adultos las celebras
y vos en cambio sabés que eso no sirve
quiero decir que estás rearmando mi adolescencia
ese tiempo en que fui un viejo cargado de recelos
y vos sabés en cambio extraer de ese páramo
mi germen de alegría         y regarlo mirándolo

quiero decir que estás sacudiendo mi juventud
ese cántaro que nadie tomó nunca en sus manos
esa sombra que nadie arrimó a su sombra
y vos en cambio sabés estremecerla
hasta que empiecen a caer las hojas secas
y quede el armazón de mi verdad sin proezas

quiero decir que estás abrazando mi madurez
esta mezcla de estupor y experiencia
este extraño confín de angustia y nieve
esta bujía que ilumina la muerte
este precipicio de la pobre vida

como ves es más grave
muchísimo más grave
porque con estas o con otras palabras
quiero decir que no sos         tan sólo
la querida muchacha que sos
sino también las espléndidas
        o cautelosas mujeres
        que quise o quiero

porque gracias a vos he descubierto
(dirás que ya era hora
                                        y con razón)
que el amor es una bahía linda y generosa
que se ilumina y se oscurece
                según venga la vida

una bahía donde los barcos
        llegan y se van

llegan los pájaros y augurios
y se van con sirenas y nubarrones
una bahía linda y generosa
donde los barcos llegan
                y se van
pero vos
por favor
                no te vayas.





Mario Benedetti

04 outubro, 2013

A borra do café


Assim, os sucessivos tangos daquela noite, que não foi mágica, e sim terrestre, permitiram que meu corpo e o de Mariana se conhecessem e se desejassem, se complementassem e se necessitassem. Quando, três dias depois, nos despojamos de toda a roupagem e nos vimos tal e qual éramos, a nudez textual nos trouxe poucas novidades. Desde o quinto tango, nós já sabíamos de cor. Algum detalhe novo (um sinal, sete sardas, a cor dos pelos fundamentais) era pouco menos que subsidiário e não modificava a imagem primeira, a essencial, aquela que a disponibilidade sensitiva de cada corpo havia transmitido aos arquivos da imaginação. A memória do corpo não cai nunca em minúcias. Cada corpo recorda do outro o que lhe dá prazer, e não aquilo que o diminui. É uma memória entranhada, mais, muito mais generosa do que o tato já desgastado das mãos, excessivamente contaminadas de rotina cotidiana. O peito que toca peitos, a cintura que sente cintura, o sexo que roça sexo, toda essa saborosa rede de contatos, embora se verifique através de sedas, casimiras, algodões, fios ou tecidos mais rústicos, aprendem rápida e definitivamente a geografia do território, que chegará ou não a ser amado, mas que por enquanto é fervorosamente desejado.

Mario Benedetti

23 setembro, 2013

Notas para conservar la memoria 1


No puedo encerrarte:
eres la calle llena de gorriones y de locos.
No puedo ordenarte:
eres un amasijo oscuro de humedad lasciva.
No puedo alcanzarte:
eres el caballo que galopa sin destino.
No puedo amarte:
eres el saco de los miedos de la gente de bien.
No puedo pensarte:
eres la idea que me tiraniza en el insomnio.
Sin embargo, te puedo conocer:
eres como yo, con otra piel.


Miren Agur Meabe



Foto: Outra pele. Saint-Genix-sur-Guiers. França.

06 setembro, 2013

Leve



leve a semente vai
onde o vento leva
gente pesa
por mais que invente
só vai onde pisa

viver ou morrer
é o de menos
a vida inteira
pode ser
qualquer momento
ser feliz ou não
questão de talento


Alice Ruiz e Iara Renó









Foto: Sonhando como criança. Fifi Lapin por @poeminha.
...

Para Anna Paula, com dois enes e milhares de estrelas.


Faz uns dois meses recebi uma encomenda que me deixou com frio na barrigafazer uma boneca Fifi Lapin! encomenda de uma das pessoas mais inspiradoras e doces que conheço, a Paula Popi. Nem sabia quem era Fifi, mas ao pesquisar fui me apaixonando cada dia mais por esta coelhina estilosa e delicada. Tá, me apaixonei, e agora? Não havia moldes nem tutoriais, pouquissimas bonecas em tecido que lembravam de longe a Fifi. O que fazer??? Resolvi encarar o desafio, o máximo que aconteceria era não dar certo. E não é que deu?!? Obrigada, Paula, por acreditar em mim :)




Lo que no se ha dicho


Hay en mi alma un pozo muerto, donde no
se refleja el sol, y del que huyen los pájaros
con terrores de virgen ante un misterio de
cadáveres.

Mi alma es un palacio de piedra, donde habitan los ausentes,
trayéndome la sombra de
sus cuerpos para alivio y compañía de mi
vida.

Mi alma es un campo desbastado donde el
rayo quemó hasta las raíces, y donde no
puede florecer ni el cardo.

Mi alma es una huérfana loca, que anda de
tumba en tumba buscando el amor de los
muertos.

Mi alma es una flecha de oro perdida en un
charco de fango.

Mi alma, mi pobre alma, es una ciega que
marcha a tientas sin apoyo y sin guía.


Teresa Wilms Montt

Foto: Das coisas idas. Beira-Mar Norte. Florianópolis. 

30 agosto, 2013

Oda al picaflor


Al colibrí 
volante 
chispa de agua, 
incandescente gota 
de fuego 
americano, 
resumen 
encendido 
de la selva, 
arco iris 
de precisión 
celeste: 
al picaflor 
un arco, 
un hilo 
de oro, 
¡una fogota 
verde! 

Oh 
mínimo 
relámpago 
viviente, 
cuando 
se sostiene 
en el aire 
tu 
estructura 
de polen, 
pluma 
o brasa, 
te pregunto, 
¿qué cosa eres, 
en dónde 
te originas? 
Tal vez en la edad ciega 
del diluvio 
en el lodo 
de la fertilidad, 
cuando 
la rosa 
se congeló en un puño de antracita 
y se matricularon los metales, 
cada uno en 
su secreta 
galería, 
tal vez entonces 
de reptil 
herido 
rodó un fragmento, 
un átomo 
de oro, 
la última 
escama cósmica, una 
gota 
del incendio terrestre 
y voló 
suspendiendo tu hermosura, 
tu iridiscente 
y rápido zafiro. 

Duermes 
en una nuez, 
cabes en una minúscula corola, 
flecha, 
designio, 
escudo, 
vibración 
de la miel, rayo del polen, 
eres tan valeroso 
que el halcón 
con su negra emplumadura 
no te amendrenta: 
giras 
como luz en la luz, 
aire en el aire, 
y entras 
volando 
en el estuche húmedo 
de una flor temblorosa 
sin miedo 
de que su miel nupcial te decapite. 

Del escarlata al oro espolvoreado, al amarillo que arde, 
a la rara 
esmeralda cenicienta, 
al terciopelo anaranjado y negro 
de tu tornasolado corselete, 
hasta el dibujo 
que como 
espina de ámbar 
te comienza, 
pequeño ser supremo, 
eres milagro, 
y ardes 
desde 
California caliente 
hasta el silbido 
del viento amargo de la Patagonia. 
Semilla del sol 
eres, 
fuego 
emplumado, 
minúscula 
bandera 
voladora, 
pétalo de los pueblos que callaron, 
sílaba 
de la sangre enterrada, 
penacho 
del antiguo 
corazón 
sumergido. 


Pablo Neruda

...
dos seres que amo

patiodotempo.blogspot.com

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"e o mundo é meu, o mundo é seu, de todo mundo..." Zeca Baleiro