04 outubro, 2013

A borra do café


Assim, os sucessivos tangos daquela noite, que não foi mágica, e sim terrestre, permitiram que meu corpo e o de Mariana se conhecessem e se desejassem, se complementassem e se necessitassem. Quando, três dias depois, nos despojamos de toda a roupagem e nos vimos tal e qual éramos, a nudez textual nos trouxe poucas novidades. Desde o quinto tango, nós já sabíamos de cor. Algum detalhe novo (um sinal, sete sardas, a cor dos pelos fundamentais) era pouco menos que subsidiário e não modificava a imagem primeira, a essencial, aquela que a disponibilidade sensitiva de cada corpo havia transmitido aos arquivos da imaginação. A memória do corpo não cai nunca em minúcias. Cada corpo recorda do outro o que lhe dá prazer, e não aquilo que o diminui. É uma memória entranhada, mais, muito mais generosa do que o tato já desgastado das mãos, excessivamente contaminadas de rotina cotidiana. O peito que toca peitos, a cintura que sente cintura, o sexo que roça sexo, toda essa saborosa rede de contatos, embora se verifique através de sedas, casimiras, algodões, fios ou tecidos mais rústicos, aprendem rápida e definitivamente a geografia do território, que chegará ou não a ser amado, mas que por enquanto é fervorosamente desejado.

Mario Benedetti

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