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06 dezembro, 2011

a cidade em mim








“... Às vezes, basta-me uma partícula que se abre no meio de uma paisagem incongruente, um aflorar de luzes na neblina, o diálogo de dois passantes que se encontram no vaivém, para pensar que, partindo dali, construirei pedaço por pedaço a cidade perfeita, feita de fragmentos misturados com o resto, de instantes separados por intervalos, de sinais que alguém envia e não sabe quem capta”.



Italo Calvino in "As cidades invisíveis"



Foto: Paisagens da infância. Florianópolis. 

16 novembro, 2011

escolher-se




Para a realidade humana, ser é escolher-se: nada lhe vem de fora, nem tão-pouco de dentro, que possa receber ou aceitar. Está inteiramente abandonada, sem auxílio de nenhuma espécie, à insustentável necessidade de se fazer ser até ao mais ínfimo pormenor. Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, quer dizer, o seu nada de ser. (...) O homem não pode ser ora livre, ora escravo; ele é inteiramente e sempre livre, ou não é.


Jean-Paul Sartre, em 'O Ser e o Nada'




Foto: Da terra. Ribeirão da Ilha. Florianópolis.

21 maio, 2011

há tanto

Fiquei com saudade de mim, há tanto tempo não me encontro. 

É que hoje de tarde entrei numa livraria e procurei por um livro que há muito desejava. Quando o encontrei e o segurei nas mãos, pareceu-me repentinamente egoísta, quase indecente, comprá-lo. 

Por pouco não levei um outro livro para meu namorado, como a justificar meu ato. 

Mas o toque frio da capa, as páginas não lidas, o cheiro de novidade me colocaram diante de um futuro possível: deitada em minha cama na noite fria que logo seria e, quietamente, descobrir com quais palavras o autor comporia sua obra. 

Não tinha expectativas maiores. 

Apertei-o de encontro ao peito como um antigo amor desconhecido. 

Agora repousa ali na bolsa e, estranhamente, prorrogo o momento de deitar-me com ele e abrir-lhe 

as páginas.


Claudia Félix
Foto: Num dia azul de verão. Florianópolis. By L.R.Marques

29 dezembro, 2010

do futuro


Já vimos que a minha liberdade exige, para se realizar, desembocar num futuro aberto: são os outros homens que me abrem o futuro, são eles que, constituindo o mundo de amanhã, definem meu futuro. Mas se, ao invés de me permitirem participar desse movimento construtor, obrigam-me a consumir em vão minha transcendência, se me mantém abaixo do nível que conquistaram e a partir do qual se efetuarão as novas conquistas, então eles me cortam o futuro, transformam-me em coisa. A vida é gasta alternadamente em perpetuar-se e em ultrapassar-se. Se ela apenas se mantém, então viver é tão-somente não morrer e a existência humana não se distingue de uma vegetação absurda. Uma vida se justifica apenas se seu esforço para perpetuar-se está integrado em sua superação e se essa superação não tem outros limites além daqueles que se coloca o próprio sujeito.

Simone de Beauvoir em "A moral da Ambiguidade"


Foto: O ano da Joaninha. Florianópolis. SC.

10 agosto, 2010

do escritor


Foto: Copiada da internet.
Não queremos ter vergonha de escrever e não sentimos a necessidade de falar para não dizer nada. De resto, ainda que o desejássemos, não o conseguiríamos: ninguém pode conseguir isso. Todos os escritos possuem um sentido, mesmo que esse sentido esteja muito afastado daquele que o autor tenha pensado dar-lhe. Para nós, com efeito, o escritor não é Vestal nem Ariel: está «metido no caso», faça o que fizer, marcado, comprometido, mesmo no seu mais profundo afastamento. Se, em certas épocas, utiliza a sua arte para forjar bugigangas de inanidade bem soante, até isso é significativo: é porque há uma crise das letras e, sem dúvida, da sociedade.



Jean-Paul Sartre, in `Situações II

27 junho, 2010

O grande capital


Foto: Da coletânea 'Men at work'. Lewis W. Hine.  

O jovem anda sozinho, rápido em meio à multidão que se dissipa das ruas escuras; os pés cansados das horas de caminhada; os olhos ávidos pela curva cálida de um rosto, brilho de olhos que correspondem, a posição de uma cabeça, um erguer de ombros, a maneira como as mãos se abrem e fecham; o sangue fervilha de desejo; a mente é uma colméia de desejos zumbindo e ferroando; músculos doem do trabalho, o trabalho com picareta e a pá do consertador de estradas, o manejo do pescador com o gancho quando recolhe a escorregadia rede da amurada da traineira adernada, o movimento do braço do homem na ponte ao lançar o rebite em brasa, a mão experiente do maquinista no afogador, o uso que o agricultor faz de seu corpo quando, ao tocas as mulas, desengancha o arado do sulco. O jovem anda sozinho, varrendo a multidão com olhos ávidos, ouvidos ávidos e tensos para escutar, sozinho, só.


John dos Passos - O grande capital


...
É o primeiro parágrafo: vertigem literária ao ler estas linhas. Debruço-me sobre a capa e preparo para o mergulho. 

31 maio, 2010

das escolhas




É preciso decidir sobre a oportunidade de um ato e tentar medir-lhe a eficácia sem conhecer os fatores pertinentes. Como o sábio que, para conhecer um fenômeno, não espera que brote sobre ele a luz da ciência acabada mas, esclarecendo o fenômeno, contribui, ao contrário, para constituir a ciência, assim o homem de ação não esperará, para decidir, que um perfeito conhecimento lhe prove a necessidade de uma certa escolha - ele deve inicialmente escolher e contribuir, assim, para formar a história. Uma tal escolha não é mais arbitrária que uma hipótese, não exclui nem a reflexão nem mesmo o método, mas é também livre e implica riscos que é necessário assumir como tais.


Simone de Beauvoir em "A moral da ambiguidade"

Desenho: por Troche

14 maio, 2010


Quando se diz que em certas paisagens estala-se de frio, em outras murcha-se de calor e que só é possível viver facilmente no equilíbrio entre as duas, não há mais muita coisa a acrescentar sobre a poesia da terra. (...) Falem-me quanto tempo queiram do que o homem pratica sobre esses cenários que se alternam e haverá chance de que eu compreenda. Um julgamento humano é o único inteligível, mesmo quando se trata da terra: as paisagens melancólicas são aquelas em que crianças morrem de fome, as paisagens trágicas são aquelas atravessadas por filas de soldados e comboios de canhões, as paisagens exaltantes são aquelas em que qualquer pessoa pode beijar uma mulher sem tremer de frio ou de medo. Só compreendo isso, que os lugares oferecem resistências desiguais aos desejos e à alegria.


Paul Nizan
em "Adem, Arábia"

23 abril, 2010

e o silêncio tem suas vozes



 
Mas - todo mundo já passou por isso - podemos nos divertir com o coração em luto. A emoção mais violenta e mais sincera não dura: algumas vezes ela suscita atos, engendra manias, mas desaparece; por outro lado, uma preocupação, provisoriamente afastada, não deixa de existir: está presente no próprio cuidado que tomo de evitá-la. Muitas vezes as palavras são apenas silêncio, e o silêncio tem suas vozes. (...)

(...) Mas o que conta antes de tudo em minha vida é que o tempo passa; envelheço, o mundo muda, minha relação com ele varia; mostrar as transformações, os amadurecimentos, as irreversíveis degradações dos outros e de mim mesma, nada me importa mais. Isso me obriga a seguir docilmente a sequência dos anos.


Simone de Beauvoir em "A força das coisas"

Foto: Das coisas silenciosas. Porto Alegre. RS.

10 novembro, 2009

o que conta


(...)


"O que conta é o que somos, é aprofundar a própria relação com o mundo e com o próximo, uma relação que pode ser concomitantemente de amor pelo que existe e de vontade de transformação. Depois colocamos a ponta da caneta no papel em branco, estudamos certa angulação da qual saem sinais que têm sentido, e vemos o que sai dali. (Não raro, também se rasga tudo.)"


Italo Calvino


Foto: Das coisas iluminadas. Cacupé. Florianópolis.

08 setembro, 2009

só a poesia





Em certos períodos da história, só a poesia é capaz de lidar com a realidade, condensando-a e transformando-a em alguma coisa compreensível, em alguma coisa que de outra maneira não poderia ser apreendida pelo espírito.


Joseph Brodsky



"Menos que um - ensaios"
Foto: Composição em azul e rosa sobre terra e vida. Campeche. Florianópolis.

27 outubro, 2008

Zora

Más allá de seis ríos y tres cadenas de montañas surge Zora, ciudad que quien la ha visto una vez no puede olvidarla más. Pero no porque deje, como otras ciudades memorables, una imagen fuera de lo común en los recuerdos. Zora tiene la propiedad de permanecer en la memoria punto por punto, en la sucesión de sus calles, y de las casas a lo largo de las calles, y de las puertas y de las ventanas en las casas, aunque sin mostrar en ellas hermosuras o rarezas particulares. Su secreto es la forma en que la vista se desliza por figuras que se suceden como en una partitura musical donde no se puede cambiar o desplazar ninguna nota. El hombre que sabe de memoria cómo es Zora, en la noche, cuando no puede dormir imagina que camina por sus calles y recuerda el orden en que se suceden el reloj de cobre, el toldo a rayas del peluquero, la fuente de los nueve surtidores, la torre de vidrio del astrónomo, el puesto del vendedor de sandías, el café de la esquina, el atajo que va al puerto. Esta ciudad que no se borra de la mente es como una armazón o una retícula en cuyas casillas cada uno puede disponer las cosas que quiere recordar: nombres de varones ilustres, virtudes, números, clasificaciones vegetales y minerales, fechas de batallas, constelaciones, partes del discurso. Entre cada noción y cada punto del itinerario podrá establecer un nexo de afinidad o de contraste que sirva de llamada instantánea a la memoria. De modo que los hombres más sabios del mundo son aquellos que conocen Zora de memoria.

Italo Calvino - Las ciudades invisibles


Foto: Poeminha distante. By LR Marques. Sambaqui. Florianópolis.

12 julho, 2008

Bello...



— Dime una ciudad más— insistía.
—...Desde allí el hombre parte y cabalga tres jornadas entre gregal y levante...— proseguía diciendo Marco, y enumeraba nombres y costumbres y comercios de gran número de tierras. Su repertorio podía considerarse inagotable, pero ahora le toco a él rendirse. Era el alba cuando dijo: Sir, ahora te he hablado de todas las ciudades que conozco.
— Queda una de la que no hablas jamás.
Marco Polo inclinó la cabeza.
— Venecia— dijo el Kan.
Marco sonrío.
— ¿Y de qué otra cosa crees que te hablaba?
El emperador no pestañeó.
—Sin embargo, no te he oído nunca pronunciar su nombre.
Y Polo:
— Cada vez que describo una ciudad digo algo de Venecia.
— Cuando te pregunto por otras ciudades, quiero oírte hablar de ellas. Y de Venecia cuando te pregunto por Venecia.
— Para distinguir las cualidades de las otras, debo partir de una primera ciudad que permanece implícita. Para mi es Venecia.
— Deberías entonces empezar cada relato de tus viajes por la partida, describiendo Venecia tal como es, toda entera, sin omitir nada de lo que recuerdes de ella.
El agua del lago estaba apenas encrespada; el reflejo de cobre del antiguo palacio de los Sung se desmenuzaba en reverberaciones centelleantes como hojas que flotan.
— Las imágenes de la memoria, una vez fijadas por las palabras, se borran —dijo Polo—. Quizás tengo miedo de perder a Venecia toda de una vez, si hablo de ella. O quizás, hablando de otras ciudades, la he ido perdiendo poco a poco.


Italo Calvino - Las ciudades invisibles
Foto: Ponte Velha. Florianópolis. By Poeminha.

17 março, 2008

e, se nos banhamos assim no futuro

Tentai apreender a vossa consciência e sondai-a. Vereis que está vazia, só encontrareis nela o futuro. Nem sequer falo dos vossos projectos e expectativas: mas o próprio gesto que surpreendeis de passagem só tem sentido para vós se projectardes a sua realização final para fora dele, fora de vós, no ainda-não. Mesmo esta taça cujo fundo não se vê - que se poderia ver, que está no fim de um movimento que ainda não se fez -, esta folha branca cujo reverso está escondido (mas poderia virar-se a folha) e todos os objectos estáveis e sólidos que nos rodeiam ostentam as suas qualidades mais imediatas, mais densas, no futuro.

O homem não é de modo nenhum a soma do que tem, mas a totalidade do que não tem ainda, do que poderia ter. E, se nos banhamos assim no futuro, não ficará atenuada a brutalidade informe do presente? O acontecimento não nos assalta como um ladrão, visto que é, por natureza, um Tendo-sido-Futuro. E, para explicar o próprio passado, não será a primeira tarefa do historiador procurar o futuro?


Jean-Paul Sartre - Existimos em Função do Futuro - in 'Situações I'

16 julho, 2007

Todos os homens são mortais

Não há morte natural: nada do que acontece ao homem jamais é natural, pois sua presença questiona o mundo. Todos os homens são mortais: mas para cada homem sua morte é um acidente e, mesmo que ele a conheça e a consinta, uma violência indevida.

...
Simone de Beauvoir - Uma morte muito suave

08 julho, 2007

Nunca na minha vida dei ordens sem rir


Não sou um chefe, nem aspiro a sê-lo. Comandar e obedecer dão no mesmo. O mais autoritário comanda em nome de outro, de um parasita sagrado - seu pai -, e transmite as abstractas violências de que padece. Nunca na minha vida dei ordens sem rir, sem fazer rir; é que não estou roído pelo cancro do poder; não me ensinaram a obediência.


Jean-Paul Sartre- As Palavras

06 julho, 2007

é muito mais bonito do que lutar sozinho





Combater ao lado de um companheiro é muito mais bonito do que lutar sozinho: ganha-se em coragem e conforto, e o sentimento de ter um inimigo e o de ter um amigo se fundem num mesmo calor.




Italo Calvino in O cavaleiro inexistente





patiodotempo.blogspot.com

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"e o mundo é meu, o mundo é seu, de todo mundo..." Zeca Baleiro