Italo Calvino in "As cidades invisíveis"
Foto: Paisagens da infância. Florianópolis.
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Foto: Copiada da internet. |
O jovem anda sozinho, rápido em meio à multidão que se dissipa das ruas escuras; os pés cansados das horas de caminhada; os olhos ávidos pela curva cálida de um rosto, brilho de olhos que correspondem, a posição de uma cabeça, um erguer de ombros, a maneira como as mãos se abrem e fecham; o sangue fervilha de desejo; a mente é uma colméia de desejos zumbindo e ferroando; músculos doem do trabalho, o trabalho com picareta e a pá do consertador de estradas, o manejo do pescador com o gancho quando recolhe a escorregadia rede da amurada da traineira adernada, o movimento do braço do homem na ponte ao lançar o rebite em brasa, a mão experiente do maquinista no afogador, o uso que o agricultor faz de seu corpo quando, ao tocas as mulas, desengancha o arado do sulco. O jovem anda sozinho, varrendo a multidão com olhos ávidos, ouvidos ávidos e tensos para escutar, sozinho, só.
Foto: Da coletânea 'Men at work'. Lewis W. Hine.
Quando se diz que em certas paisagens estala-se de frio, em outras murcha-se de calor e que só é possível viver facilmente no equilíbrio entre as duas, não há mais muita coisa a acrescentar sobre a poesia da terra. (...) Falem-me quanto tempo queiram do que o homem pratica sobre esses cenários que se alternam e haverá chance de que eu compreenda. Um julgamento humano é o único inteligível, mesmo quando se trata da terra: as paisagens melancólicas são aquelas em que crianças morrem de fome, as paisagens trágicas são aquelas atravessadas por filas de soldados e comboios de canhões, as paisagens exaltantes são aquelas em que qualquer pessoa pode beijar uma mulher sem tremer de frio ou de medo. Só compreendo isso, que os lugares oferecem resistências desiguais aos desejos e à alegria.