24 julho, 2023

Nalgum lugar

Roseira do pátio de casa. 2022.

nalgum lugar em que eu nunca estive, 
alegremente além
de qualquer experiência, 
teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil 
há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar 
porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar 
facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, 
nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala 
como a primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) 
a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado,
eu e minha vida nos fecharemos belamente,
de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respiras

(não sei dizer o que há em ti que fecha e abre;
só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos
é mais profunda que todas as rosas)

ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas...

(E.E. Cummings, traduzido por Augusto de Campos)


"Nalgum lugar" - musicado por Zeca Baleiro...

Nenhum comentário:

patiodotempo.blogspot.com

patiodotempo.blogspot.com
"e o mundo é meu, o mundo é seu, de todo mundo..." Zeca Baleiro