Para o jovem corvo
Esta enfermidade é degenerativa.
Consiste em destruir os tecidos comunicativos:
em contrair a pele
(perdendo a sensibilidade às carícias),
em reduzir o foco visual
(limitando-o ao espaço do livro que lemos).
Nos fatiga inclusive falar
e cada vez que pronunciamos um som,
nasce equipado de longos pseudópodes cinzas
e sai flutuando na salinha,
como se esse fora seu destino:
ser uma ameba estranha que ignora a hora de
deitar-se.
Nos afeta o ouvido, surdos no bunker.
As papilas e a língua já estão paralisadas.
O nariz se converte em antena
e percebemos num instante
a chamusquinha de um queijo ou o enjoativo
de um suspiro.
Diagnóstico:
câncer cíclico de silêncio.
Período de incubação:
os períodos acumulados sem praticar paciência.
Recaídas (a não ser que a ciência do perdão
descubra outras soluções):
tantos quantos fracassos de um junto ao outro.
Tratamento profilático:
uma cena em um bonito restaurante de quando em
quando,
e cada manhã
um pensamento alegre ao dizer "bom dia".
Miren Agur Meabe
Foto: Da janela. Florianópolis. SC.
* tradução livre de Claudia Félix
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