19 outubro, 2011

XIII - Amavisse



De grossos muros, de folhas machucadas
É que caminham as gentes pelas ruas.
De dolorido sumo e de duras frentes
É que são feitas as caras. Ai, Tempo.

Entardecido de sons que não compreendo.
Olhares que se fazem bofetadas, passos
Cavados, fundos, vindos de um alto poço
De um sinistro Nada. E bocas tortuosas.

Sem palavras.

E o que há de ser da minha boca de inventos
Neste entardecer. E do ouro que sae
Da garganta dos loucos, o que há de ser?


Hilda Hilst


Foto: Ponte Velha. Florianópolis. SC.


Há uma ponte desativada há décadas na minha cidade, a "Ponte Velha". Este final de semana paramos ali por um acaso: fazer o quê num domingo cinza no centro da cidade enquanto esperávamos Inácio? ver a ponte, de perto. Lembro menina passar por ela de carro ou ônibus, o trajeto sinuoso e de repente o mar. Certa vez, na sexta série, gastei o dinheiro do ônibus no lanche e tive que voltar a pé um trecho (estudava na Trindade e morava no continente, pegava dois ônibus então). Passei pela longa e ventosa passagem de pedestres em madeira, foi este meu contato mais íntimo com a ponte. A questão é que há a ponte, está sempre ali, desde a lembrança mais remota do mais antigo vivente. Ela é o nosso Redentor. Ela é uma constância em minha vida, uma das poucas. Não tenho esperanças dela ser reativada. Pode ser uma inutilidade gigantesca e dispendiosa, para uns. Ela é uma interrogação no coração deste povo pacato. Mas  não tenho dúvidas do que hoje ela é: uma ponte para os sonhos, a lembrança ...  


Um comentário:

simone gallego disse...

ei, que memória bonita!

transportei-me contigo nessa saída escolar...

e te vi menina e cheia de sonhos!

e pensei na função de uma ponte...

e me vi menina tb, sonhando, sonhando, sonhando!

thanks querida!

patiodotempo.blogspot.com

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"e o mundo é meu, o mundo é seu, de todo mundo..." Zeca Baleiro