ATENÇÃO - Contém Spoiler!
Muitos falaram deste filme quando lançado. Li o mínimo que pude, sabia apenas que ele, Joaquim Phoenix, se apaixonava por um programa de computador. Até demorei a assistir porque, creio, eu tinha certo preconceito com este tema. Mas acabo de terminar de assistir e precisei vir correndo escrever.
HER, com direção e roteiro de Spike Jonze, traz no elenco Joaquin Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Olivia Wilde, e Scarlett Johansson (a voz do Sistema Operacional). Não sabemos ao certo em que ano se passa a história, sem dúvida num futuro não muito distante, na cidade de Los Angeles. Theodore trabalha escrevendo lindas cartas para "terceiros". Apesar de trabalhar, encontrar amigos, jogar vídeo-games, fazer tele-sexo, caminhar pela cidade, Theo está distante de todos, isolado, solitário. Certo dia resolve comprar um novo Sistema Operacional ao ver uma propaganda que dizia "
Quem é você? o que você pode ser? Para onde você vai? O que há la fora? Que possibilidades existem? O OS1 é um sistema operacional de inteligência artificial, uma entidade intuitiva que o escuta, o compreende e o conhece. Não é apenas um SO, é uma consciência."
Theo começa a usar seu novo "sistema", um programa de computador muito atento que, além de escutá-lo, percebe sua tristeza, suas indecisões, ajuda-o a organizar sua vida, as coisas que deixou pendentes. A medida que vai usando, Theo começa a estabelecer um relacionamento com o "Sistema", que se batizou "Samantha". Ela, Samantha, vai aos poucos aprendendo sentimentos, criando novos pensamentos, compartilhando suas descobertas e alegrias com Theo.
Aos poucos Samantha vai se tornando parte da vida dele, aquela com quem consegue conversar sem medo nem melindres, aquela com quem divide seu cotidiano, compartilha problemas. Theo começa a sair de seu isolamento e a se relacionar com os colegas e amigos de outra forma. Theo e Samantha vão se apaixonando e se deparando com os problemas de ser uma relação entre um homem e um sistema operacional. Assim como uma pessoa modifica-se ao longo do tempo, das experiências, Samantha também foi mudando e suas possibilidades se ampliando. Ao invés de retirá-lo da realidade, Samantha foi fazendo Theo perceber novamente o som, o sol, as pessoas a sua volta. O fez perceber sua vida, resgatar seus sonhos.
A medida que a relação vai se complexificando, eles também vão se deparando com problemas comuns a qualquer relação amorosa: ciúmes, inseguranças, épocas sem tesão, mentiras, brigas, afastamentos. Ele a quer só para ele, ela lhe diz "
Sou sua e não sou". Eis a antiga questão do amor sado-masoquista, profundamente trabalhada por Jean-Paul Sartre em "O Ser e o Nada": o impasse de desejar aprisionar a liberdade do outro. Mas Samantha "é" consciência, e consciência é liberdade. E não é possível aprisionar uma "consciência", nem uma artificial ou virtual, pois o outro sempre nos escapa, não nos pertence, não é coisa!
ELA, o Sistema Operacional, interage com ELE, Theo, estabelecendo desde o início um diálogo no qual ELA o vai conhecendo, criando uma cumplicidade e, ao mesmo tempo, ELA vai pontuando questões que identifica como problemas nele e colocando questões para ele refletir, mostrando caminhos para mudar. ELA organiza a agenda, a escrivaninha, revê tudo que ELE sonha e dá seguimento ao que ELA vê que é importante para ELE. ELA o leva a retomar as relações com os amigos, ex-namorada, novas possibilidades amorosas. ELA cria uma relação afetiva com ELE e vai ampliando a reflexão dela sobre o próprio relacionamento deles e sobre os próprios sentimentos deles. ELA se move como liberdade e não se deixa apreender por ELE e, ao partir, faz com que ELE seja sujeito de sua vida, que encare o mundo como uma grande possibilidade, que saia da solidão e busque a amiga, que também está sofrendo. ELA faz com que ELE compreenda como cada relação é preciosa e transforma e enriquece cada pessoa, mesmo quando elas se separam.
A fotografia é um caso de amor a parte: poética, primorosa. Joaquin Phoenix é outro caso de amor a parte, consegue levitar nas cenas, interpretando o sensível Theo com uma densidade e uma entrega rara de se ver. O figurino e a maquiagem "retrô-futurista" dão consistência à atmosfera nostálgica. A direção é de uma delicadeza impressionante; o roteiro, ganhador do Oscar, instigante e belo.
O filme foge dos clichês ao mostrar o futuro e a tecnologia sem apocalipse, sem super-heróis, sem bandidos nem mocinhos, sem mocinhas (literalmente). Ao contrário, o mundo é esperançoso, a tecnologia está a serviço da superação dos problemas humanos. O futuro está em aberto e depende da ação de cada um e da relação com os outros. Porém, a meu ver, mais do que tratar da relação homem/computador, homem/tecnologia, o filme é uma reflexão belíssima sobre o fenômeno do processo amoroso: desde o início até a separação. Trata da paixão, do amor, da conexão entre os seres, da tristeza de uma relação que chega ao fim, mesmo amando o outro e sendo amado. Do caminho de volta. Esta é a grande questão do filme, e uma das grandes questões da vida!
Claudia Félix
...
A carta de final de amor mais linda, digna, delicada que já vi...
Querida Catherine.
estou aqui pensando em tudo pelo qual eu gostaria de me desculpar
Por toda a dor que causamos um ao outro
Toda culpa que eu lhe atribuí
Por tudo o que eu precisava que você fosse ou você dissesse
Sinto muito por isso
Sempre vou te amar porque nós amadurecemos juntos
e você me ajudou a ser quem eu sou
eu só queria que você soubesse que sempre haverá uma parte de você em mim
e que sou grato por isso
quem quer que você venha a se tornar e onde você estiver no mundo
estarei lhe mandando o meu amor
Você é minha amiga para sempre.
Amor,
Theodore
....
Escrevi as primeiras impressões logo depois de ver o filme, há mais de mês. Hoje revisei e acrescentei novas linhas para podermos conversar sobre :)
Beijos